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A noite passou em claro. As lâmpadas todas apagadas. A consciência de Maria não desligava. Raios, ventos e trovoadas. Máculas em um céu estrelado. Uma lua tão cheia quanto luminosa. Era a única luz que acarinhava o rosto de Maria. Mesmo por uma minúscula fissura na cortina. Maria não conseguia descansar. Ah, o mau tempo. Acontecia somente em seu espírito. Não havia chuva. Só suas lágrimas. Multiplicavam-se sem jamais se manifestarem. Nada acontecia. Aparentemente. A madrugada crescia. O silêncio era a cada instante maior. Será que só Maria não conseguia desligar? Só Maria via a noite trabalhar? Por uma fresta na cortina. Esgarçada. A cortina e Maria. Quis levantar. Quis dormir. Quis morrer. Quis, enfim, viver. Não como naquele dia. Nunca mais como hoje. Pensou em seus sorrisos. Sentiu saudades. Sempre sentia. Recordou-se das pessoas queridas. Algumas, apenas. Saudades maiores. Vasculhou seu interior. Buscava a paz. Não a encontrou. Hoje não havia nada. Ausência. Mais saudades. Escavou escombros de experiências equivocadas. Sentiu vontade de aprender mais sobre a vida. Não sabia como. Estava sozinha. Sempre. Tantas eram as coisas extintas. Saudades. Tentou ouvir musica. Seus ouvidos acostumaram-se com a ausência. Cada instante mais. Meu Deus, amanhã é dia de trabalho. Espalhar bom dia para tanta gente. Em tantas direções. Por um momento essa idéia assustou. Pareceu uma tarefa árdua demais. Pesada. Impraticável. Hoje é. Onde estão as máscaras que precisará usar? As máscaras! Não há como ir de cara limpa. Nunca. Jamais ninguém a viu sem suas máscaras. Ninguém conseguiu transpor as barreiras. Muralhas que guardavam a verdadeira Maria. Ninguém. A prisioneira Maria. A verdadeira Maria. Fora jogada em um calabouço quando nascida. E esquecida. Nunca mais lembrada. Os ratos trataram de Maria. Os vermes a alimentou. O vazio deu-lhe de mamar. E sua vontade de existir. Prevaleceu. Somente para mostrar que era capaz. A verdadeira Maira cresceu. E nunca ninguém a viu. A noite já era anciã. Seu fim se aproximava a galope. As horas trabalhavam. Incansavelmente. Para matá-la. Para vencê-la. E junto com a noite Maria também agonizou. O céu já era grávido. Á espera do sol. E o sono não soube chegar. Àquele quarto. Perdeu-se. Por onde será que caminhava? Estranho! Suas noites geralmente eram tão tranqüilas. Tão bem dormidas. O que havia acontecido? Nada. Absolutamente nada. Lembranças. Só Maria que já não era a mesma. Nunca mais seria.
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