terça-feira, 16 de junho de 2009

Um Quintal de Lembranças Coloridas

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Girassóis. Uma plantação imensa. Era o que os rodeavam. A vida inteira. Por mais de sessenta anos. Uma vida. Uma história. Um amor... Naquela manhã ela fez o café mais doce de todos. O melhor também. Ele estava sem sono, o que sempre foi raro. Enquanto não adormecia, lembrava. Do café. Da manhã. Da vida. Do sorriso de sua mulher... Como estava envelhecido aquele sorriso, meu Deus! E, no entanto, continuava lindo. Irradiante. Sempre instalado nos lábios. Aqueles lábios tão doces e gentis. Pensando percebeu o quanto o amor entre eles só fez crescer. Contrário a todas as estatísticas. Desmentindo algumas crendices acerca do casamento e seu fardo mais pesado a cada ano. Contradizendo todos aqueles que associavam casamento e prisão. Ele agora pensava como o deles, o casamento, havia dado certo. Muitos problemas aconteceram no percurso da vida, é verdade. Naturalmente! O maior de todos foi a inexistência de filhos. Nenhum. Uma caxumba não cuidada na infância o impediu de semear o jardim de sua amada. Companheira, no melhor sentido da palavra. Por isso, talvez, ele plantasse girassóis. Nada neste mundo pode ser perfeito... O amor entre os dois era! Sempre foi. Ao menos para eles. E a união, que sempre fora alimentada por diálogos constantes, soube superar os problemas. Todos. Principalmente o mais difícil. Feito um rio que contorna as pedras. Agora ele sorria. Mesmo no escuro do quarto. Na tranqüilidade da noite. Na segurança dos braços da amada já adormecida há tempo. Na fortaleza de um amor construído. Por mais de sessenta anos. Dia após dia. Minuto a minuto. A vida foi vivida. Em sua plenitude. Intensamente. Colorida com gestos quase imperceptíveis. Incomuns são as cores do amor. A doçura de um bom-dia calmo. A grandeza de um pegar na mão para assistir, mesmo em silêncio, o por do sol. A graça de uma dança, rostinho colado, no meio da cozinha embalada pelo chiar da panela de pressão. O olhar nos olhos quando faziam amor sempre deixava claro que a emoção do momento, toda vez único, era infinitamente maior do que o prazer efêmero dos sexos exaltados. Quando a idade chegou foi o olhar que permaneceu. E, no entanto, eles ainda continuam fazendo amor até hoje. De outras formas. Com outros jeitos, obviamente! E ele se emocionava todas as vezes que pensava naqueles olhos. Ah, aqueles olhos! Eram faróis para ele. Irradiantes. Ágeis. Intensos... Viver ao lado daquela pessoa tinha sido maravilhoso. Sempre fora. Envelhecer naquele casamento tinha sido colorido. Vívido. Mágico é acompanhar alguém. Doar-se a ela. E receber também. Cada ruga daquele rosto octogenário ele viu surgir. Cada vez que os movimentos dela ficavam mais lentos ele percebia. Constatava. E, com certeza, ela também. A cada novo fio daqueles cabelos lindos, sempre bem penteados, muito bem cuidados, que a vida pintava de experiência ele sabia. Um a um. Ele viu enluarar. E os girassóis sempre estiveram ali... Acompanharam tudo. Toda a história. A vida toda! E agora ela dormia. Tão ternamente. A serenidade de sua feição era visível. Mesmo na escuridão do quarto. E a noite estava quieta, respeitando o repouso merecido. As estrelas vigiavam atentas. Sorridentes. A lua enfeitava todo o céu, porque mesmo na languidez do sono era preciso. Os girassóis esperavam ansiosamente a rotina, os afazeres da casa ressurgirem. Eram eles que acordavam o dia. Naquele lugar encantado, ao menos. O manto do amor emprestava seu calor para manter a cama quentinha. Junto com o abraço carinhoso que embalava o sono todas as noites. E ele, insone, simplesmente agradecia...

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