quarta-feira, 19 de julho de 2023

Mensagem Apagada


    
  Hoje de manhã coloquei algumas músicas para tocar, despretensiosamente. Em certo momento, uma voz de extrema potência, força e delicadeza misturadas invadiu o ambiente e a música me arrebatou os pensamentos já nos primeiros acordes. “Troca de calçada” é o nome da canção e Marília Mendonça era o nome da moça que a escreveu e a cantava em minha playlist. Para quem não conhece a música, a letra trata de uma mulher julgada e condenada pela opinião alheia que não conhece a história de vida dela. Quando chega no refrão, a narrativa assume a primeira pessoa do singular e se dirige diretamente à pessoa que aponta o dedo e troca de calçada ao vê-la oferecendo seus favores sexuais em troca de algum dinheiro.

    A mensagem da música tocou profundamente o meu coração e eu pude, por um longo momento, sentir a tristeza daquela moça que, para ter o corpo quente congelou o coração e para esconder a tristeza usou maquiagem à prova d'água. E eu chorei. Eu sei, é fácil me fazer chorar. Choro assistindo até comercial de margarina. Confesso e assumo que a minha emoção aflorada desagua com peculiar facilidade. Não é, entretanto, a natureza das minhas características o alvo deste texto. O que senti, provocando minhas lágrimas, foi a dor do julgamento. Esse é o ponto.

    Você já parou para pensar se conhece a história de vida das pessoas ao seu redor? Você conhece, de fato, os sentimentos, as emoções, os acontecimentos que levam as pessoas que você ama e que te amam a ser como são? A música escrita e cantada por Marília aconselha o seguinte: “Se alguém passar por ela fique em silêncio, não aponte o dedo, não julgue tão cedo, ela tem motivos pra estar desse jeito.”

    Pensar sobre isso me remete ao dia onze de julho, dias atrás, data do meu aniversário. Era um dia comum, meio de semana, a vida seguindo seu fluxo como tem que ser. Uma temperatura agradável, embora seja inverno. Poucas nuvens impediam o sol de exercer suas funções, eu curtia uns dias de férias do trabalho e, embora tivesse muitas coisas para fazer, decidi ir pedalar. O pedal é terapêutico para mim. Quando vou sozinho, uso fones e músicas para me isolar dos ruídos ao meu redor – o que pode ser muito perigoso, diga-se de passagem! Uma atividade que me coloca em contato com o mais profundo do meu ser. E isso é maravilhoso. Naquele dia do meu aniversário foi exatamente assim. Depois de quase três horas pedalando, voltei para casa e, ao verificar o meu celular, encontrei uma “mensagem apagada” no aplicativo de conversa.

    Quase dez dias se passaram da data do meu aniversário e aquela mensagem continua lá, apagada. Mensagem apagada. De alguém que exerce uma função muito importante dentro do meu contexto familiar. O que alguém quer dizer para você no dia do seu aniversário ao te enviar uma mensagem, apagá-la e deixar essa mensagem apagada como a única expressão concedida a você? Obviamente que eu deveria explicar muitos outros elementos para que o contexto desse fato ficasse em melhores condições de compreensão. Não vou explicar.

    Aquela mensagem apagada é uma troca de calçada. É assim para mim, pelo menos. Da mesma maneira como na canção de Marília, o nojo na cara de quem atravessa a rua ou o desprezo de quem escreve uma mensagem no dia do aniversário da outra pessoa e apaga, propositalmente, poderia ser substituído por um abraço – ainda que distante geograficamente – e o não julgamento que apedreja e dói na alma. E, a única pergunta que fica tilintando em minha mente, como as pontas do salto 15 na calçada, é: por quê? Por que gastar energia com preconceito, com retrucada, com mágoa, com implicâncias... com trocas de calçadas e mensagens apagadas? Algo que fora intencionalmente não dito me mostra tanto, tanto, tanto sobre quem mandou a mensagem e apagou para que eu visse algo ofertado a mim e, em seguida, retirado. O espinho cravado em meu coração sangrou. E o sangue irrigou o espaço afetado e abriu a possibilidade de uma semente ser semeada ali. Dizem que só oferecemos aquilo que temos em nosso coração. Ofereço, então, com todo o meu coração, as flores que nascerem dali a quem trocou de calçada e me enviou uma mensagem apagada.




2 comentários:

Anônimo disse...

Fenomenal! Como tudo o que vc escreve… Ahhhh, como aprendo com vc.❤️❤️❤️

Anônimo disse...

Amigo amado, como amo suas palavras, mesmo expressando sua dor. Antes de mais nada quero parabenizá-lo por mais uma
primavera. Agradeço a Deus, ao universo, ao destino por ter cruzado nossos caminhos. Te amo de uma forma incontestável e inexplicável!
E é realmente isso: quantas mensagens apagadas em nossas vidas que dizem muito mais sobre a dor e desamparo dos outros do que de nós mesmos. Mas como você um certo dia me disse, não dê espaço para o outro passar, menos ainda por cima de você, só por um mal dia dele, você, por mais que sangre, com certeza teve uma reflexão e aprendizagem em sua vida. E com suas belas palavras, repassou a nós, seus leitores. Obrigada por tanto.