Cemitérios
me incomodam. Nunca gostei de ir e evitei mesmo, sempre que pude, para não
estar presente em um. Não, não tenho medo dos mortos. Tenho sim muito respeito
por tudo o que eles me fazem pensar quando estou a visitá-los. Aquele silêncio
tumular faz gritar a quantidade de tempo perdido que se deixa pelo caminho, na
vida. Não me refiro ao tempo em que se está trabalhando, estudando, produzindo
de alguma maneira. Não! É o tempo que se gasta com outras coisas. Em um
cemitério o que fica evidente é a queda dos rótulos. É clichê, mas é
verdadeiro. Doutor e analfabeto, rico e pobre, jovem e adulto, negro e branco,
ateu e cristão têm o mesmo repouso. Quanto ao que está do outro lado – se há
outro lado – que cada um sinta e viva a fé que lhe conforte. Respeito a todas.
E não quero falar aqui sobre o depois da morte. Quero falar sobre o antes. Não
me importa o caminho depois do túmulo, mas os passos que se dá até chegar nele.
Se
você morresse hoje, iria suficientemente satisfeito consigo mesmo por ter dito
à todas as pessoas que você ama o quanto elas são importantes para você? Eu
não. Se você morresse hoje, iria suficientemente satisfeito por ter ouvido das
pessoas o quanto elas te amam? O quanto você é importante para elas? Eu não!
Ultimamente
tenho refletido sobre o amor e sobre como ele está sendo manifestado. Não quero
deixar para depois para dizer às pessoas o quanto elas são importantes para
mim. Porque flores em um túmulo e homenagens póstumas são tardios. São
atrasados. O que me importa mesmo é o calor das palavras e a emoção do olhar.
Isso é impagável. É insubstituível. E, para quem me disser que a mudança que
queremos no mundo começa por nós mesmos, vou dizer: “você está certo”!
Talvez
por covardia ou por desmedida fraqueza não fui ao funeral de duas das pessoas
que eu amava imensamente. Fiz isso por querer acreditar que naqueles caixões
não estavam mais as pessoas que eu amava. Elas já tinham ido embora. Em ordem
cronológica de partida, uma dessas pessoas foi meu grande amigo de infância. A
outra foi a minha Nona Antônia, de quem já havia me despedido meses antes por
causa da doença que a levou devagar. Mas, meu amigo João foi cedo e
inesperadamente. Há quase vinte anos. Sem aviso. Sem tempo para despedidas. Sem
anúncio ou cerimônia... Passávamos muito tempo juntos. Conversávamos sobre tudo
e com muita honestidade um com o outro. Conhecíamo-nos verdadeiramente. Cada um
sabia o que o outro pensava e porque pensava. E quando João se foi percebi que,
por estarmos sempre juntos, nunca havia dito a ele o quanto ele era importante
para mim. O quanto a amizade dele me resgatou de uma anunciada escuridão
solitária e devastadora. João se foi sem nunca ouvir de mim que ele era um
amigo querido, amado e precioso. Ele sabia disso. Mas, nunca ouviu! Não quero
mais saber. Quero ouvir.
Ver
o amor perder força, cor e oportunidade por motivos tão mesquinhos me
entristece e me coloca a refletir. Estou falando dos rótulos! Lamento os
rótulos. As classificações! Rotular e classificar as pessoas ao redor e
determinar suas importâncias a partir disso. É mesquinho. São as ervas daninhas
que envenenam pouco a pouco o tempo que deveríamos deixar manifestar o amor.
Amar é precioso. Ruim é classificar quem deve receber o amor. Afastar alguém
porque essa pessoa é de outra religião, raça, classe social ou orientação
sexual é praticar o desamor. Somos seres humanos e qualquer outro adjetivo que
vier depois disso é desnecessário, menor, castrador. Afastar-se de um ser
humano considerado diferente é desmedidamente infeliz e aviltante. É matar a
beleza de querer bem e sentir alguém habitando o coração. Meu coração sempre
foi muito frequentado. Muitas e muitas pessoas estão ou estiveram aqui. E não
quero deixar um túmulo ser a sala de visitas onde vou receber essas pessoas
para dizer que as amo e que são importantes para mim. A vida é agora. É hoje. É
urgente. Viver é urgente. E é urgente manifestar o amor.
Um comentário:
Meu amigo, cai em lágrimas ao ler este texto, especialmente nesta data fui um velório de uma tia muito amada, passei um dia com uma angústia em meu coração, e lendo seu texto lembrei-me de uma das últimas vezes que fui vê-la , eu e minha irmã limpamos toda a casa tomamos um café de mãe, e muita a conversa. Fiquei com meu coração quentinho, por ter falado em vida tudo o que sentia.
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