terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Alice Desorientada





Salve Salve queridos Amigos da Sofia!

Esse poema que se segue escrevi há alguns poucos anos e publiquei originalmente nesse espaço (AQUI). Alice é um personagem. Quem acompanha meus escritos já deve ter notado que meus personagens são, em sua maioria esmagadora, mulheres. Encantadoras as mulheres em seu universo envolvente.
Revisitando algumas publicações ao longo da história do Amigo da Sofia, o reencontrei. Decidi republicá-lo por gostar muito mesmo dele. Espero que todos leiam e manifestem suas opiniões nos comentários. 
Luz e Paz!


~ /// ~ 


Uma noite escura
Tão preta quanto o preto plano
Dos meus sonhos
Era a única coisa que me seguia...
Como um cão
De grandes e firmes olhos
A me perguntar
Se comigo ir ela poderia...
E eu aumentando a velocidade
Dos passos retrógrados
Sem saber como seria
O metro seguinte de chão...
E das pedras
Que se revezavam em uma real constelação
Eu podia esperar a simetria
Do reflexo das estrelas desconexas a me guiar...
Tudo naquela noite era encanto:
A dor que não existia, a possibilidade de voar
A lua em ciranda a rodopiar
Tão lindo que o sorriso era pai do acalento...

Continuei pelo caminho rumando
A noite logo atrás com o rabo a abanar
Não demorei muito para no horizonte alcançar
O sol sonolento escalando o céu já atrasado para trabalhar...




sábado, 26 de janeiro de 2013

Esquinazofrenia





O meu coração tem milhões de becos

E cada rua, cada esquina, cada arvoredo

Remete ao rebento sonho antigo

Que pulsa o pulso latente e cortante;

A vontade imensa e incessante

Que o meu coração tem de existir.



O andarilho, o despojo, o mendigo

Que carrega suas ausentes lembranças

Amarrotadas dentro de um saco de lixo

Pintado com cores de perdidos sorrisos.



Cada voz que ouço me chamando

Cada ilusória realidade que invento

Cada vulto que me apavora

Cada grito que quebra o meu silêncio

Cada insulto que me desaprova

Finjo esquecer em cada esquina que dobro;

Fujo daquilo que sou eu mesmo em dobro!






domingo, 20 de janeiro de 2013

Pimenta em Carne Viva!







Salve Salve, Amigos da Sofia!


Os textos abaixo escrevi há um ano. Na ocasião do aniversário de morte de Elis. Republico-os agora com o coração repleto de emoção, agradecimento e carinho exatamente como o fiz ano passado... E provavelmente como farei ano que vem.

Salve Elis!
Luz e Paz!


~ /// ~


Tenho 32 anos de existência.
Uma grande lástima que carrego e que não conseguirei sanar é o fato de não ter podido assistir a um show - um único, que seja - da inclassificável Elis Regina. Hoje faz trinta anos que essa brasileira ascendeu aos céus mais longínquos deixando floridos no jardim dos mortais sedentos por cultura e qualidade de alma que aqui ficaram, os registros de sua voz e a opulência de sua luz reacionária.

Conheci a obra de Elis depois de quase adulto, na adolescência. Uma fita cassete com várias músicas gravadas de vários cantores da MPB... E lá estava ela! Nunca vou esquecer: noite estrelada, eu entediado em minha cama, na solidão do meu quarto, em casa de minha mãe, e... De repente, uma voz que parecia surgir de dimensões que nem sabia se (que) existiam. Varri todos os pensamentos torpes para bem debaixo da cama, quase parei de respirar, e toda a minha atenção voltou-se para aquela voz... Liguei para a amiga que me emprestara a tal fita e perguntei, acordando-a com a ligação:
- Quem é ela?
-Ela quem, meu amigo?
- Essa mulher que canta "não quero lhe falar, meu grande amor, de coisas que aprendi nos discos..." Daquela fita que você me emprestou.
- Ah, a Elis?
- Elis?
- Elis Regina. Posso voltar a dormir?
Uma intimidade que só quem conhece Elis sabe que é possível, pois, ela mesma permite. Desliguei o telefone e nunca mais me esqueci dessa voz, dessa mulher, desse nome...

Pesquisei. Perguntei, no dia seguinte, para a minha mãe, que me falou sobre a tal cantora. Mas, o que me chocou, quase tanto quanto a sua voz magnífica e sua energia vibrante, foi a notícia que Elis não estava mais entre nós. Não! Não! Não! Não! Não! Não! Não! Cheguei tarde! Ela partira dois anos depois do meu nascimento. Meu Deus! Foi revolta só.
Lembro de ter olhado para o céu, em uma outra noite estreladíssima, tempos depois, quando eu fugia para o telhado da casa dos meus pais, para olhar a imensidão, e tentei descobrir qual daquelas estrelas era Elis.
Não consegui.
Se Elis brilhasse naquele céu todos pensariam que estava dia, a luz irradiaria muito além!
Hoje, trinta anos de sua morte, eu venho reverenciar e agradecer a Pimentinha que tanto enfeitou a minha vida com toda a sua força, com toda a sua honestidade visceral, com toda a sua voz ferina, protetora e desafiadora... Elis!
Hoje não é dia de luto nem de tristeza... É dia de alegria, de celebração e de agradecimento! Elis existiu nesse planeta, no nosso país, e, depois de sua passagem terrena, mais Nada Será Como Antes!


Uma Lágrima Só!


Concederei a você
Apenas uma lágrima
Uma lágrima só
E depois
Após
A minha pálpebra
Umedecer
Vou esquecer
Por que choro
E lembrarei-me de você
E te darei sorrisos
Milhares
De todos os tamanhos
De muitos e diferentes
Jeitos
E saberás que te amo
Apenas isso:
Uma lágrima
Milhares de sorrisos
E o meu eterno amor!



(Escrevi esse poema já tem bastante tempo, em manifesto ao amor por Elis... Publiquei-o, inicialmente, aqui no Amigo da Sofia! Clique AQUI e veja a publicação original.)




A pimenta aquece todos os meus momentos únicos;

Ouço, amo, aprendo, aqueço, permaneço!


 ~ . ::: . ~


Elis, para tornar a vida ainda mais florida!



terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Sonhos e Provimentos





Um dia eu sonhei viver assim...


Onde o vento me governasse
E a liberdade me dissesse
O que fazer
Como sorrir
De que maneira viver!


Com a lua me abrigando
E a brisa conduzindo
Os dias em que pude
Ser realmente eu, vivendo!



Lendo as páginas que a vida escreveu
Desenhando as letras do verso que me inspirou
Como o nômade de alma livre
E corpo leve... Alma tangente!



Com as lágrimas lavando o que está impuro
E as flores colorindo o que havia duro
E os espinhos expiravam, e os sorrisos apareciam...



Viajar por entre os sentimentos
E conduzir os meus sonhos
Através dos provimentos
Do sagrado humano... Em mim!


Um dia eu sonhei e vivi assim!


sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Ne Me Quitte Pas




 
“Meu mundo caiu
E me fez ficar assim
Você conseguiu
E agora diz que tem pena de mim”
Maysa


Três horas da manhã. Ausência absoluta de sono. Rebeca observa a cidade da sacada de seu quarto. Décimo segundo andar. Silêncio. Não fosse pela turbulência farfalhante que em seu peito agitava a falta de oxigênio, a noite estaria linda. O cigarro aceso queima seus dedos de unhas perfeitas sem causar a menor dor. Porque dor mesmo está em sua alma. Incenso de rosas vermelhas aceso no chão, no canto, constantemente. Na vitrola Maysa rasga sua carne viva há mais de uma hora. Lágrimas eventuais visitam os olhos de Rebeca. Atendera ao último cliente já há bastante tempo. O gosto azedo daquele homem ainda causa-lhe asco. Nojo. Repugnância. A essa altura da vida banho não consegue mais tirar essa sensação. Nem adianta mais tentar. Mas a fumaça do incenso ajudava a disfarçar aquele cheiro ferino de colônia masculina borrifada em cima do suor do trabalho do dia. Rebeca lembra-se de seu pai todas as vezes que atende sexualmente um homem. Vagabunda! A última palavra de seu pai dirigida a ela. Obviamente que não se chama Rebeca. Esqueceu. Seu nome de batismo. Não existe mais. Até em seus sonhos as pessoas se referem a ela pelo nome de guerra. Seus anseios todos foram substituídos pela necessidade de sustentar aquele pai que envelhecera às suas custas. Nas suas costas. Nunca houve afeto. Nem palavras dóceis. Nem olhares meigos. Nem sorrisos acolhedores. Somente cobrança. Insultos. Ingratidão. Incompreensão. Aquele homem, que deveria ser sua fortaleza, lembrava-a diariamente que não valia um vintém. Como se não bastasse aqueles homens todos. Fedorentos. Sovinas. Imundos. Sebosos. Subindo em seu corpo e a tratando como um pedaço de carne sem vida. Sem sentimentos. Sem gentileza alguma. Sem cerimônia qualquer. Ainda agüentava seu pai. Gritando. Cobrando. Vociferando. Esbravejando os horrores de ter uma filha puta. E incompetente. Porque se fosse boa em seu ofício fisgaria um figurão da sociedade hipócrita que a procurava em surdina. Laçaria com suas pernas finas e brancas um honrado pai de família que a queria pra fazer com ela toda a sujeira que não fazia com sua esposa por considerá-la “santa” demais. Sua falta de pudores profissionalmente elaborada não servia para cativar sequer um assalariado. Imprestável. Puta barata. Chinfrim. Rameira de esquina. Era isso que vinha de seu progenitor. O que resta? Chegar todas as noites em casa, entregar o resultado da noite para seu pai, doente e mal humorado, tomar um banho, acender um cigarro e olhar a noite. Rebeca sempre gostou da lua cheia. Imaginava que um príncipe encantado cantaria em serenata para ela lá da calçada, sob a lua cheia e o céu estrelado. Ela pularia em seus braços. Literalmente. E nunca mais olharia para trás. Para aquela vida desgraçada de puta infeliz. Mas o príncipe nunca vinha. Nunca aparecia ninguém. Só os gritos de seu pai. Mandando desligar a musica que tanto amava ouvir. Maysa. Olhos verdes iguais aos seus. Chorava em cada acorde. Em cada verso que sua cantora preferida interpretava seu coração ressuscitava. Mas nem isso seu pai permitia. Mas hoje não. Hoje é diferente. Há um sabor especial na noite. Em seu cigarro. Na música. Hoje seu pai estava em silêncio. Nunca mais a chamaria de puta barata. E uma histérica crise de riso abateu-se sobre Rebeca. Ela sentia-se livre. Olhou para a sala. Seu maldito e perturbador pai jazia na poltrona. Deselegantemente. E seu riso aumentou. Ela riu. Ao mesmo tempo em que chorava. Gargalhou. Colocou o volume do som na vitrola no máximo. E voltou para a sacada. E gargalhou. Enquanto suas lágrimas regavam seu batom gasto na pele daqueles homens todos que visitaram seu corpo. Pela primeira vez na vida Rebeca sentiu que era livre. E quis voar. Gargalhando. Subiu no parapeito. Sentiu a altura gelar seus pés. Riu desesperadamente feliz. E voou. Em direção aos braços do príncipe que jamais chegara a tempo. No dia seguinte, quem recebeu o jornal nas primeiras horas da manhã, leu em manchete principal:

PUTA BARATA MATA O PRÓPRIO PAI E SE JOGA DO 12º ANDAR.
 






sábado, 5 de janeiro de 2013