Quando percebi a minha identificação com a poesia dentro de um contexto de expressão e linguagem comecei a processar tudo o que escrevia de maneira a compilar os poemas em forma de livro. Neste momento percebi o quanto é difícil evocar os anjos e os demônios que vivem dentro de nós para deixá-los voar embora. O que se segue foi uma tentativa de redigir o que seria o prefácio do meu livro cujo título é Atalhos.
Por que será que precisamos catalogar, classificar, agrupar, nomear e rotular o que sentimos ou o que fazemos? De onde vem esta necessidade de fazer caber em um molde pré-fabricado todos os sonhos e sentimentos que nos chegam livres? Ontem a noite conversei demoradamente com alguém muito importante em minha vida. Já era tarde da noite. Quase madrugada. Conversamos sinceramente sobre vivências anteriores de um e outro. Falamos da vontade de deixar as coisas serenas onde ainda existe tanta ventania. Lágrimas surgiram. Mas, a luz também veio. Desde muito novo, ainda criança, o ser humano – e nesta classificação (olha só ela aqui outra vez!) estou inserido – sempre me instigou o pensamento. Atitudes. Sentimentos. Formas de conduzir a própria vida. As coisas que não podemos ver, mas, podemos sentir. O que queremos explicar sem conseguirmos entender. O que deveríamos simplesmente experimentar. As escolhas que fazemos. E as que não fazemos também. Os caminhos que trilhamos. As histórias que escrevemos. Os mitos que inventamos para servirem de alicerces firmes e sadios para as nossas convicções. O modo como precisamos de garantias. As ilusões alimentadas. As oportunidades perdidas. As vozes e palavras sufocadas. Os talentos e projetos que engavetamos para “mais tarde”. As missões que pedimos e depois não agüentamos. A arrogância pré-adquirida. A superioridade fantasiosa. A fábula que esperamos para viver sem perceber que já estamos nela (e ela está passando). Enfim, muitas coisas me incomodam. Muitas! Quantas rosas desabrocham sem nos darmos conta. Quantas estrelas despencam sem nem sequer ter sido notadas. Quantos sorrisos nós abortamos. Quantos abraços nós negamos. Quanta destruição nós provocamos com o nosso julgamento. Quantos olhares nós poderíamos aplicar como bálsamo na recuperação de várias almas desencantadas. Quanto tempo nós passamos atribuindo importância para tudo aquilo que não nos interessa, de fato... Por que tanto despreparo? Por que tanta indecisão, insegurança e covardia? Estou aqui para aprender. E me propus a fazer isso, a me comportar assim. Algumas vezes também estou cansado. Outras tantas estou exausto. E é justamente aí que devo ser forte e vigilante. Não vou viver esperando ser atacado pela inercia que ronda peçonhenta. O fogo que mantenho aceso em meu coração é sagrado, é vivo. E é justamente por isso que abri o peito, fechei os olhos e soltei a caneta. Percorri atalhos! Os atalhos são pontes que não só ligam duas margens, mas, também deixam explícita a sua distância, o seu distanciamento. Porque se há uma ponte também há um rio precisando ser transpassado pela superação de alguém que se dignou a conhecer os seus dois lados, as suas duas margens. Rios são caminhos e caminhos correm como rios... Para onde corre o caminho que leva a sua jangada? Ao contrário do que comumente está aceito, um atalho não é, necessariamente, um encurtador de distâncias. Antes disso e muito mais além, atalhos são caminhos alternativos. Percursos trilhados passo a passo. Pegada por pegada. Cada atalho é uma história vivida. Cada pegada uma emoção tatuada. Cada pedra pisada e uma lágrima caída também fazem parte da beleza da paisagem. E cada atalho tem o seu horizonte... Sou um animal racional por classificação (de novo!) genérica e uma criatura emocional por natureza que se alimenta dos atalhos que ainda não descobriu. Dos horizontes que não fotografou. Dos grãos de areia da estrada que percorreu. Dos sorrisos que colheu ao longo do caminho. Das flores que conseguiu observar. De cada instante que viveu e aprendeu a ouvir, com isso, o próprio “eu”. E daquela conversa de ontem a noite ficou as vontades insanas de viver, de compartilhar, de aprender, de sonhar, de realizar, de caminhar sempre de mãos dadas com a luz e o amor por outros tantos atalhos que surgirão...
E para quem se arriscar, boa viagem rumo aos seus atalhos!
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