Uma sociedade alienada
e sem a menor noção política e cidadã faz fenômenos como esse acontecer: a invasão
noturna de um laboratório de pesquisas científicas por ativistas ambientais e
defensores dos direitos dos animais e a comoção nacional. De repente, todos
amam os animais e os defendem bravamente, politicamente! Estamos acompanhando
há poucos dias a polêmica dos cachorrinhos beagles utilizados em pesquisas
laboratoriais em São Roque, cidade no interior de São Paulo.
Em um sábado a tarde
decido espairecer um pouco da semana que passou repleta de compromissos e
obrigações profissionais abrindo o meu perfil social nas redes virtuais. Deparo-me
com quilômetros de postagens em defesa dos pobres e indefesos
cachorrinhos-cobaias. Repúdio ao uso desses animais totalmente legítimo e
necessário para resgatar essa discussão – que não é nova – sobre os direitos e
bem-estar dos animais.
O que fico me questionando com esse levante popularesco
em defesa dos bichos - via frases de sabedoria facebookiana e discursos
engajados - é: o que a maioria esmagadora das pessoas que estão tomadas e
repletas de razão saindo em defesa dos pobrezinhos beages vão almoçar amanhã,
domingão? A resposta que me vem à mente é: um suculento churrasco! Desculpem-me,
senhoras e senhores ativistas em defesa dos direitos dos animais, minha indignação
é massacrante e não me deixa ficar calado. Qualquer um que ingerir uma sardinha
sequer não tem a menor moral de arrotar essa pretensão burguesa de falsa vontade
de melhorar a vida dos animais. Estão
devorando-os! Porque amar uns e comer outros? Porque defender os beagles
paulistas e devorar as vacas gaúchas ou os frutos do mar nordestinos? Ah, está
na Bíblia! Jesus em pessoa multiplicou os peixes e isso justifica a carnificina
realizada todos os dias – durante as vinte e quatro horas do dia – nos matadouros
e abatedouros e frigoríficos desse país “gigante que acordou”. Quantos por
cento das matas nativas do território nacional já foram devastados e
transformados em pasto para enriquecer a indústria frigorífica? E os pássaros
engaiolados pendurados nas varandas para o ínfimo deleite de ouvi-los assoviar?
E os peixes nadando em círculo – quando nadam – em minúsculos aquários na
estante da sala?
Manifestem-se porque
esse direito é legítimo e imprescindível para a construção de qualquer sistema
político que se aproxima da utópica ideia de uma democracia justa e igualitária...
Mas, repare se o seu “compartilhar” não está apenas contribuindo para os
interesses de uma minoria dominante que te faz acreditar que há algum resquício
de sabedoria nessas mensagens repletas de uma comoção tão vazia e alienada...
Qualquer pessoa que esteja manifestando sua indignação contra as pesquisas com
os cachorrinhos indefesos de São Paulo que se alimentou de algum tipo de carne no
almoço de hoje NÃO TEM O MEU RESPEITO! Lamento!
Se você está lendo esse
texto até esse momento, te agradeço o crédito da leitura e explico: também não
sou a favor de todos os maus tratos sofridos pelos animais! TODOS! Desde as
pesquisas laboratoriais com substâncias experimentais até o consumo da carne.
Sou vegetariano há quase dezoito anos e gostaria muito que mais pessoas fossem,
mas NUNCA solicitei a ninguém – amigos, família, parentes, alunos, vizinhos,
conhecidos etc – que deixassem de comer carne! Nunca! Quem fez agiu por conta
própria! Não faço apologias e não levanto bandeiras justamente por acreditar
que cada ser humano é constituído de inteligência e liberdade suficientes para
estabelecer seus próprios parâmetros de sobrevivência com qualidade e percepção
sócio-política minimamente apurada para agir em benefício do meio a que está
inserido. Conheço alguns pseudos-vegetarianos que adoram se gabar de não comer
carne (como se isso fosse algum sinal de superioridade), mas comem peixe ou
frango. Reconheço que isso também é desestimulante.
A questão não é
meramente o uso de cachorrinhos dóceis e frágeis em laboratórios industriais
para o desenvolvimento de remédios caríssimos que – ainda que salvem vidas – vão
enriquecer um grupo muito pequeno de burgueses. O problema é a discrepância
entre o discurso que cidadãos comuns assumem em redes sociais – certos de que
estão agindo de forma sensata e suficiente – com a atitude cotidiana tão longe
da teoria.
Cheguei a um ponto da
vida que só aceito cobrança de alguém que faz mais do que eu!