sábado, 16 de março de 2013

Toca, Raul!

 


Toca Raul!
Alguém na platéia sempre gritava. E sempre era atendido. O que quase ninguém sabia é que o nome daquele jovem vocalista desconhecido também era Raul. E ele se divertia com a coincidência. E Raul tocava Raul. E o som de seu violão chegava em dimensões tão distantes que era impossível mensurar. E isso, até aquela noite, tornava seu coração pleno e completo. Algumas pessoas chamariam esse sentimento de felicidade. Raul chamava de céu.
Mas isso mudou naquela noite escaldante de verão tropical. O bar estava já quase vazio. Pouco movimento. Platéia desinteressada. Músico sem inspiração. Mas, de repente, Raul percebeu uma luz cintilando no balcão do bar... Uma figura que provocou arrepios em seu corpo e seu coração instantaneamente aos pulos se desesperou. Era ela! A pouca luz do ambiente, o tempo que correra por longos e intermináveis 15 anos, a longa distância que os separavam.. Nada disso impedira o moço de identificar prontamente Celina, o amor de sua vida. Quem ele sempre chamara de Céu. Sua felicidade estava ali, diante de seus olhos, ouvindo-o cantar. Raul errou os acordes, trocou os versos da letra da música e esbarrou no microfone derrubando-o do pedestal. Algumas pessoas presentes riram e pensaram que fazia parte do show.
O seu perfume era ainda mais doce. Seus olhos fulguravam como sóis em miniatura. E o coração de Raul pulsava. Agora, um de frente para o outro, a vida ganhava todos os sentidos que nunca tivera. E aquele quarto era minúsculo. A cidade, espectadora, paisagem pela janela. As estrelas, silenciosas, choravam com a emoção vivente. E o beijo daquela mulher era agora mais importante do que o ar a se respirar... E o amor  bailava por aquele quarto. 
Quando Raul e Céu se conheceram eram muito jovens, adolescentes. E nunca tinham namorado com seus físicos, com seus corpos. Ficaram nus juntos apenas uma vez, mas Céu teve medo e recuou. E a visão daquela mulher - tão amada - entregue, nunca saíra da mente de Raul.
Muito tempo depois ela estava nua novamente. Corpo bem diferente. Uma mulher agora. Ainda mais linda. Exuberante. O coração do rapaz disparado dava a impressão que explodiria a qualquer momento.
E os dois apenas se olhavam.
Apenas se sentiam.
E, muito tempo depois estando assim, olhos nos olhos, um diante do outro, Céu viu o olhar do moço deslizar por seu pescoço e se instalar em seus seios bem formados. Disse, então,  carinhosamente ao amado:
- Toca, Raul! 


sábado, 9 de março de 2013

Fevereiro Acabou...




Fevereiro acabou.
Um mês. Um ciclo. Um círculo que se iniciou e findou em si mesmo. Mas o percurso me fez pensar. Refletir. Estive longe de mim mesmo. Corri para becos sem luz. A sombra é um abrigo. Ilusório. Passageiro. Provisório. Precisei de distância para observar como um terceiro. De fora. De longe. Sem o pulsar do sangramento ferino que me esvaía a alma. Quando estamos no olho do furacão não conseguimos encontrar solução ou respostas balsâmicas. Mas passa. Mesmo em um dia nublado o sol está brilhando. As nuvens passam. Dissipam-se! O sol permanece. Sempre! E só é preciso aguentar. Cada solavanco. Cada resfolego. Cada vento mais forte. Cada trovoada. E mesmo que os raios partam a cabeça em milhares de pensamentos imensuráveis, incompreensíveis, como uma auto-regeneração, cada pedaço se reorganiza. Agrupamento refeito. Cada reconstrução é diferente da anterior. E cada uma vem melhor do que a outra. A real fortaleza do guerreiro não é vencer o inimigo... É superar a si mesmo! Despir-se da vaidade da vitória. Renunciar a mesquinharia de estar sempre soberano. Exercitar a vontade de manter a espada embainhada para usar uma arma mais ferina, certeira e poderosa: o auto-aprimoramento.
O filosofo brasileiro Rubem Alves escreveu uma obra maravilhosa, entre tantas outras de sua autoria, que se chama "Ostra Feliz Não Faz Pérola". O princípio está justamente na necessidade da impureza para se reinventar. A pérola na ostra nada mais é do que um grão de sujeira que ameaça seu bom funcionamento. Por isso a movimentação para neutraliza-la... Nesse mês de Fevereiro que acabou fui ostra. E produzi algumas pérolas. Talvez agora posso dar o próximo passo. Talvez agora esteja realmente fortalecido. Talvez agora meu peito caiba dentro de mim e não me sufoque mais com tantas emoções titânicas. Talvez agora eu seja um guerreiro que voltou da batalha ferido, mas refeito. Talvez agora minha espada fique na bainha dando vez à humildade do aprendizado. Talvez agora o próximo mês seja pintado com cores mais sutis e mais harmoniosas. Porque agora as nuvens se dissiparam e o sol está à vista.
Fevereiro acabou.