terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Livro da Colheita dos Dias



 
Uma oração antes de dormir, na noite anterior, talvez tenha sido a diferença que eu não percebi... 
Um velho barbudo, incrivelmente baixinho e misterioso me dizia para receber o seu presente com humildade e usá-lo com sabedoria porque não haveria outro igual.
Acordei antes de o relógio despertar às oito horas. Estranho. Isso praticamente nunca acontecia. E o velho? Não sabia ainda se sonhara ou se aquela conversa, de fato, existira. Percebi que estava na cama. Minha cama. Meu gato dormindo recostado à minha perna direita. Levantei. Andei pelo minúsculo apartamento onde moro há mais de um ano. Sozinho. Moro só e estava só. E o velho? De repente o sinal da campainha da porta tocou. Assustei-me severamente. Sabia que o prédio estava quase vazio. Prédio pequeno, poucos moradores. Nessa época do ano todos viajando. Para alguém chegar à porta do meu apartamento teria que antes passar pelo portão lá fora e pela porta de vidro temperado que dava acesso ao prédio. Pelo menos três chaves diferentes uma da outra.
Ah, como pude esquecer?
Havia, realmente, a possibilidade de alguém entrar voando, já que as janelas nos corredores ficavam abertas para ventilação... Não! Possibilidade descartada!
Fui até a porta - já que o toque da campainha insistia cansativamente - e, antes de simplesmente destrancar a porta e abri-la, verifiquei o olho mágico. Não sou alguém que consome bebidas alcoólicas. Ou substâncias ilícitas que deturpem a compreensão da realidade. Quem me conhece sabe que sou a pessoa mais careta desse universo. Mas, o que vi realmente aconteceu: a silhueta daquele minúsculo velho barbudo começando a descer o lance de escadas para sair do prédio. Rapidamente apanhei a chave da porta e, ao abri-la, corri para tentar me certificar que era o mesmo velho... Não consegui mais a visão de nada. Mas, existira alguém ali. Ouvi a porta de vidro de acesso ao prédio se fechando por fora. 
Brincadeira de péssimo gosto. Certamente!
Esbravejei mentalmente um monte de coisas feias e voltei em direção a minha porta. Tropeção. Quase caí de rosto no sofá perto da entrada. Já ia vociferar outros palavrões - ainda mais escabrosos que os primeiros - quando percebi que o meu tropicão tinha se dado por causa de um objeto depositado no capacho. Obviamente aquilo fazia parte da brincadeira feita contra minha pessoa por algum vizinho metido a comediante. O embrulho era igualmente estranho. Envolto em um tipo de papel grosso e fosco que nunca vira antes na vida. Amarrado com uma espécie de cipó. Que trabalheira somente para passar um trote em alguém... 
Mas o meu nome estava escrito na beirada do pacote. Uma letra inacreditavelmente linda. Brilhante. Reluzente. O pacote era leve, retangular, não muito volumoso. Imaginei algumas possibilidades e decidi abrir de vez porque só assim acabaria com aquela piada. Esperava a qualquer momento algo saltar do pacote e me pregar um susto. Ou alguém adentrar o apartamento com apitos ou buzinas de zombarias. Mas nada disso aconteceu.
A voz daquele velho ressoou por todo o local: "lembre-se, não haverá outro igual... Use-o com humildade e sabedoria!" O susto foi realmente gigantesco ao ouvi-lo e cheguei mesmo a procurá-lo por todo o recinto. Mais calmo voltei ao pacote já quase desfeito.
Para minha surpresa o embrulho protegia um livro. Capa dura de um material muito parecido com tecido. Tamanho um pouco maior do que um livro comum. Uma cor neutra e leve. Nada estava escrito na capa. Nem título, nem autor. Fiquei apreensivo. Folheei-o. Absolutamente nada estava escrito. Palhaçada mesmo! Um livro em branco... Percebi que somente as páginas estavam marcadas. E, subitamente, uma suspeita - intuição - me tomou e fui até a última página do livro. Para a minha surpresa a última página desse estranho livro marcava 365.
"Não haverá outro igual... Use-o com humildade e sabedoria!"









FELIZ 2014 A TODOS OS QUERIDOS AMIGOS QUE CONQUISTEI ATRAVÉS DA POESIA, ATRAVÉS DO AMIGO DA SOFIA... QUE DEUS ABENÇOE A VIDA, A FAMÍLIA, OS SONHOS E AS REALIZAÇÕES DE TODOS VOCÊS! 

LUZ E PAZ!








terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Amor, Luz e Paz!






Queridos Amigos da Sofia,

FELIZ NATAL a todos... Independente de religião, crença, certezas ou convicções, vamos celebrar o AMOR! E que o AMOR esteja presente nos outros dias do ano... Que o AMOR esteja presente em nossas palavras quando formos falar com alguém ou de alguém... Que o AMOR esteja presente em nosso olhar quando formos julgar... Que o AMOR esteja presente nas nossas atitudes e que essas atitudes sirvam para melhorar a vida das pessoas ao nosso redor... Que Deus, Oxalá, Buda, Jesus Cristo, Shiva ou Krishna abençoem e iluminem as oportunidades que ainda teremos de praticarmos o AMOR! E que o AMOR prevaleça...
Obrigado a cada amigo, a cada leitor, a cada aluno, a cada colega de trabalho (dos meus três trabalhos! Rsrsrs!), a cada pessoa da minha tão amada família, por todos momentos - positivos ou negativos - vividos em 2013! Com certeza, cada ser humano que esteve em minha vida ou que passou por ela, me proporcionou oportunidades de me aprimorar e ser alguém melhor, mais humano! Coube a mim aproveitar as oportunidades ou não... O nosso caminho é feito de tudo o que plantamos nele e nossa história é recheada de VIVÊNCIAS! Que nossas vivências, então, sejam todas permeadas de luz, poesia, cor, humildade, solidariedade, prosperidade, saúde e AMOR!
 

QUE O AMOR SEJA A NOSSA GRANDE E MAIOR REVOLUÇÃO!


FELIZ NATAL!
 

LUZ E PAZ!






Essa música sempre mexe muito comigo! Linda!




sábado, 21 de dezembro de 2013

Amanheceu...







Amanheceu...

O sol forte e bem disposto
Esbanja a vontade
De ter um sorriso no rosto.

Amanheceu...

Frescura, no melhor sentido da palavra.
Brisa leve e doce que se interpõe
Com a vida da liberdade escrava.

Amanheceu...

A transparência vigorante
No orvalho adolescente
Na estrela ainda caindo cadente.

Amanheceu...

O novo dia jovial
Embalado em esperança ancestral
De uma prece celeste, celestial.

Amanheceu...

A lua vai descansar
No terno e enternecido olhar
Do apaixonado boêmio indo se deitar.

Amanheceu...

Nova chance surge para todos
Com fé para trabalhar bem disposto
Porque a recompensa virá no seu melhor tom fosco.

Amanheceu...

E Deus abraçou a natureza
Florindo a estúpida aspereza
Em brotos e sementes de gentileza.

Amanheceu...



quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Pedra Voadora





A noite serena
 
Grita em meus tímpanos
 
Entorpecidos
 
Pelo torpe cheiro de alfazema
 
Exalado
 
De uma sensação estranha
 
De inquietude existencial...





E um gárgula
 
Pousado em minha janela
 
Fechada
 
Sorri pra mim
 
Como quem diz:
 
Voa
 
Mesmo sendo de pedra!






Salve queridos Amigos da Sofia,

Estou de volta! Depois de um período de intenso trabalho somado a um problema grave no meu computador agora estou novamente conseguindo publicar no meu tão amado blog.  O poema que trago hoje não é novidade para quem acompanha o Amigo da Sofia há mai tempo. Mas gosto muito dele! Ele denuncia minha esquizofrênica vontade de viver, como diz o cantor Lobão na canção, "dez anos a mil do que mil anos a dez"!

Que nosso Dezembro (ou o que resta dele! Rs!) seja repleto de poesia, luz e paz!






sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Esquinazofrenia


 



O meu coração tem milhões de becos

E cada rua, cada esquina, cada arvoredo

Remete ao rebento sonho antigo

Que pulsa o pulso latente e cortante;

A vontade imensa e incessante

Que o meu coração tem de existir.



O andarilho, o despojo, o mendigo

Que carrega suas ausentes lembranças

Amarrotadas dentro de um saco de lixo

Pintado com cores de perdidos sorrisos.



Cada voz que ouço me chamando

Cada ilusória realidade que invento

Cada vulto que me apavora

Cada grito que quebra o meu silêncio

Cada insulto que me desaprova

Finjo esquecer em cada esquina que dobro;

Fujo daquilo que sou eu mesmo em dobro!






 
Porque dentro de mim há esquinas incontáveis e incalculáveis caminhos que se aproximam, se cruzam e novamente se distanciam... Ao infinito! Cada um de mim fica por essas esquinas à espreita me esperando passar e, no momento exato - nem mais, nem menos - me surpreendem modificando todo o trajeto que me fez ser quem sou. Há tantos de mim em imensuráveis esquinas no meu ser e, mesmo assim, se faltasse um, apenas um, já não seria mais eu. Seria um outro! Conheço poucos, mas amo a todos.


domingo, 17 de novembro de 2013

A Descendente de Zeus!

 




Era uma vez um aprendiz que precisava nascer... Um dia Deus precisava mandar à Terra um ser que ainda tinha muitas coisas a aprender e outras tantas infinitas coisas a evoluir. E surgiu então um impasse! Porque essa criatura era muito inacabada, muito primitiva e permitir que ela tivesse todas as condições necessárias para seu crescimento seria tarefa deveras árdua e complicada. A necessidade urgia e o tamanho da responsabilidade agigantava. Um aprendiz naquele estágio de embrutecimento precisaria de alguém muito iluminado e empenhado em lhe ensinar. 

Foi então que Deus convocou uma assembleia dos seus anjos mais destemidos e guerreiros. Todos recuaram diante da oferta de uma missão tamanha. Como o próprio Criador inventou o livre-arbítrio não poderia obrigar nenhum de seus anjos guerreiros a cumprir tal missão. 

Não houve outra saída para o Mestre do Universo: Ele colocou as mãos na massa e esculpiu uma criatura ímpar. Ela não pertencia a nenhuma falange ou casta celestial já existente. Não possuía asas, nem armas, nem voava. Deus colocou somente uma ferramenta: o olhar! Um olhar seu abriria fendas, oceanos, sorrisos. Mas, também poderia fazer muitas criaturas se curvar. Porque seu olhar estava repleto de palavras, as mais sábias. Então, Deus a muniu de tanta sensibilidade que seria capaz de criar e cuidar de imensos jardins. Ela, então, passou a ter o poder de florescer rosas e orquídeas em esplêndido gesto de comunhão com o Pai Celestial que as criaram. 

Depois de pronta, Deus a chamou em reunião e comunicou-lhe a missão:

- Haverá um aprendiz que chegará na Terra com muitos defeitos e muitas coisas a aprender. Imensas. Inúmeras. Ele será todo defeituoso e você deverá cuidar dele e ter paciência e criar todas as condições que necessitar para que seu aprendizado se complete. 

Desde então essa guerreira, jardineira de sorrisos e florista de almas, tem ensinado aquele aprendiz a cuidar de si mesmo. Quando é necessário colo ela o conforta. Quando é preciso firmeza ela o faz refletir. E um único olhar seu tem feito o aprendiz se encher de mais e mais força para continuar a aprender. Por vezes ela também sente suas forças diminuírem, mas é feita da luz de Deus e, por isso, irradia raios solares por onde passa.

E, do firmamento, Deus observa sua guerreira cuidando daquele aprendiz, ainda hoje, depois de tantos anos passados, e pensa com doçura e sabedoria: acertei mais uma vez!

Na Terra ninguém sabe que aquela mulher delicada e forte, sorridente e doce, firme e frágil, sábia e também aprendiz, dançante, realista e sonhadora é a mãe de um aprendiz de poeta, filósofo e homem. E todas as vezes que quer falar com Deus, ele pensa em sua mãe e se lembra que Ele a criou para o ensinar, o proteger, o amar e fazer dele o que sempre fora - ser humano!

Quem a conhece sabe que seu nome é Zenaide, a descendente de Zeus!
    

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Salve, Amigos da Sofia!

Hoje, dia 18 de Novembro, é aniversário da minha mãe, D. Zenaide! Quis homenageá-la com alguma coisa bonita e que expressasse o meu amor e minha gratidão por ela. O texto acima acabei de escrever, mas penso que ela merece mais do que isso, muito mais! O soneto abaixo já escrevi há algum tempo e até o publiquei no Amigo da Sofia, mas decidi colocá-lo abaixo para quem não o leu ainda. Enfim, é dia especialíssimo de celebração e agradecimento. 

Minha mãe, feliz aniversário! Que Deus te abençoe e ilumine sempre com todas as flores e todos os sorrisos que tu mereces por sua estrada... Saúde, luz e paz! Bjs!

FELIZ ANIVERSÁRIO, MINHA MÃE!


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Soneto Para Minha Senhora



Seus versos são escritos com atitudes

Suas palavras são mais fortes porque são vividas

Seus olhares são lições que provocam inquietudes

Suas ações são pensadas, ponderadas e refletidas.



As melhores lembranças que tenho da vida são a seu lado

As cores mais bonitas que pincelei pelo caminho são suas

As incertezas, fraquezas e medos foram banidos no teu colo

As primaveras mais floridas foram iluminadas por suas luas. 



Eu e você somos somente um ser divido em dois

Um único rio que corre por percursos diferentes

Uma mesma manhã onde brisa e orvalho são sóis.



A simplicidade que te traduz me inspira 

O amor que trazes no coração me fortalece

A sabedoria que te orienta é exemplo que alimenta.

domingo, 10 de novembro de 2013

Soneto Das (Minhas) Construções

 
 
 
Eu sei de muito pouco. Mas tenho a meu favor tudo o que não sei e – por ser um campo virgem – está livre de preconceitos. Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor: é minha largueza. É com ela que eu compreenderia tudo. Tudo o que eu não sei é que constitui a minha verdade.
Clarice Lispector

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Meu mundo é feito de vontades
 
Minhas vontades são repletas de fomes
 
Todas as minhas fomes refletem desejos
 
E os meus desejos me consomem.


Minha alma anseia por brisa
 
Minhas brisas surgem repentinamente de sorrisos
 
Meus sorrisos emolduram nuances da delicadeza
 
E minhas delicadezas nasceram de momentos imprecisos.


Todas as cores que meus versos desenham
 
Todos os desenhos que minhas rimas permitem
 
Todas as permissões que os meus sentimentos perfumam


Fazem os meus passos mais firmes
 
Fazem o meu coração mais leve
 
Fazem a minha poesia mais real...

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Verso Puído





Todas as cartas que não escrevi

Rasguei e queimei

Todas as palavras que não disse

Engoli e engasguei

Todas as alegrias que não vivi

Perdi e escondi

Todas as amizades que  não quis

Desbotei e envelheci

Todas as musas que não bebi

Matei e esqueci

Todas as vidas em uma só que deixei

Desperdicei e morri...



domingo, 3 de novembro de 2013

Rasuro e Rabisco





 Arrisco um rabisco

Mas a folha é bolha

Que explode acorde

Retumbando sonâmbulo

O pesadelo austero

Do qual fujo e me sujo

No sorriso impreciso

Que entorpece e amanhece

Meu coração em devastação

Escrevendo e sangrando

Sentindo e morrendo

Querendo e insistindo

Pedindo e rejeitando

Sucumbindo e Renascendo.

 



sábado, 2 de novembro de 2013

Depois do Inevitável

 
 
 
É da simplicidade que sinto falta.

É do cheiro das coisas mais banais como, por exemplo, a terra molhada de chuva, ou de um café sendo feito logo ali, na casa da vizinha.

É um abraço - que tantas vezes neguei por pressa - o que mais me corrói o pensamento: Por que não abracei mais as pessoas que eu amo tanto ainda agora?

É de sorrisos que agora o meu caminho padece.

É de um bom dia mal-humorado. De um até logo impaciente. De um tchau sufocado pelo horário.

É de sentir o gosto de todas as comidas que joguei no lixo. De todas as vezes que abri a geladeira e, ingrato, disse: "Não tem nada pra comer nessa casa?"

É de ouvir as histórias que desprezei das pessoas que vinham até mim apenas para sentirem-se alguém.

É do momento sem fazer nada no meio do dia. Agora é só trabalho. Dos instantes em que não me larguei olhando para fora pensando em alguma bobagem.

É de usar as palavras mais docemente... Desejando a construção do ser alheio.

É de não parar um segundo do meu tempo tão precioso para contemplar uma réstia do sol em minha tez. Ou uma gota daquela chuva tão inesperada. Ou uma flor. Sequer um jardim.

As cores! Não posso mais...

E as lágrimas? Como as evitei! E agora são delas que não consigo esquecer.

Os passeios com o meu amor... Todos deixados para depois porque havia algo mais urgente a ser feito.

Os banhos de chuva.

Os livros que não li por causa dos relatórios sempre tão necessários.

As ajudas que neguei por mera indiferença.

Os sorrisos não abertos por uma piada mal contada. E eu que nem sabia contar piadas ficava julgando as piadas dos outros.

Os "eu te amo" que ficaram prisioneiros na garganta.

As orações que nunca fiz agora me fazem falta. Muita falta.

Os beijos que deixei para uma ocasião especial... Todos não dados!

Os amigos não feitos.

As amizades que não cuidei.

As pessoas que perdi por minha irresponsabilidade.

Ou desatenção!

As brigas que causei sem razão nem, tampouco, perdão.

Os perdões.

Como queria pedi-los!

Os gritos. As danças. Os safanões.

Agora só o arrependimento de não ter usado o que tive com tanto amor e tanta vontade que seria pouco demais a eternidade:

Vida!

Eu esperei tanto... Mas, o tempo não esperou!
 
 
 
Tirei essa fotografia indo trabalhar em um dia qualquer...
 
 

sábado, 19 de outubro de 2013

Os Indefesos Beagles Paulistas e a Hipocrisia Social que nos Cerca!

 



Uma sociedade alienada e sem a menor noção política e cidadã faz fenômenos como esse acontecer: a invasão noturna de um laboratório de pesquisas científicas por ativistas ambientais e defensores dos direitos dos animais e a comoção nacional. De repente, todos amam os animais e os defendem bravamente, politicamente! Estamos acompanhando há poucos dias a polêmica dos cachorrinhos beagles utilizados em pesquisas laboratoriais em São Roque, cidade no interior de São Paulo.
Em um sábado a tarde decido espairecer um pouco da semana que passou repleta de compromissos e obrigações profissionais abrindo o meu perfil social nas redes virtuais. Deparo-me com quilômetros de postagens em defesa dos pobres e indefesos cachorrinhos-cobaias. Repúdio ao uso desses animais totalmente legítimo e necessário para resgatar essa discussão – que não é nova – sobre os direitos e bem-estar dos animais.  
 O que fico me questionando com esse levante popularesco em defesa dos bichos - via frases de sabedoria facebookiana e discursos engajados - é: o que a maioria esmagadora das pessoas que estão tomadas e repletas de razão saindo em defesa dos pobrezinhos beages vão almoçar amanhã, domingão? A resposta que me vem à mente é: um suculento churrasco! Desculpem-me, senhoras e senhores ativistas em defesa dos direitos dos animais, minha indignação é massacrante e não me deixa ficar calado. Qualquer um que ingerir uma sardinha sequer não tem a menor moral de arrotar essa pretensão burguesa de falsa vontade de melhorar a vida dos animais. Estão devorando-os! Porque amar uns e comer outros? Porque defender os beagles paulistas e devorar as vacas gaúchas ou os frutos do mar nordestinos? Ah, está na Bíblia! Jesus em pessoa multiplicou os peixes e isso justifica a carnificina realizada todos os dias – durante as vinte e quatro horas do dia – nos matadouros e abatedouros e frigoríficos desse país “gigante que acordou”. Quantos por cento das matas nativas do território nacional já foram devastados e transformados em pasto para enriquecer a indústria frigorífica? E os pássaros engaiolados pendurados nas varandas para o ínfimo deleite de ouvi-los assoviar? E os peixes nadando em círculo – quando nadam – em minúsculos aquários na estante da sala?
Manifestem-se porque esse direito é legítimo e imprescindível para a construção de qualquer sistema político que se aproxima da utópica ideia de uma democracia justa e igualitária... Mas, repare se o seu “compartilhar” não está apenas contribuindo para os interesses de uma minoria dominante que te faz acreditar que há algum resquício de sabedoria nessas mensagens repletas de uma comoção tão vazia e alienada... Qualquer pessoa que esteja manifestando sua indignação contra as pesquisas com os cachorrinhos indefesos de São Paulo que se alimentou de algum tipo de carne no almoço de hoje NÃO TEM O MEU RESPEITO! Lamento!
Se você está lendo esse texto até esse momento, te agradeço o crédito da leitura e explico: também não sou a favor de todos os maus tratos sofridos pelos animais! TODOS! Desde as pesquisas laboratoriais com substâncias experimentais até o consumo da carne. Sou vegetariano há quase dezoito anos e gostaria muito que mais pessoas fossem, mas NUNCA solicitei a ninguém – amigos, família, parentes, alunos, vizinhos, conhecidos etc – que deixassem de comer carne! Nunca! Quem fez agiu por conta própria! Não faço apologias e não levanto bandeiras justamente por acreditar que cada ser humano é constituído de inteligência e liberdade suficientes para estabelecer seus próprios parâmetros de sobrevivência com qualidade e percepção sócio-política minimamente apurada para agir em benefício do meio a que está inserido. Conheço alguns pseudos-vegetarianos que adoram se gabar de não comer carne (como se isso fosse algum sinal de superioridade), mas comem peixe ou frango. Reconheço que isso também é desestimulante.
A questão não é meramente o uso de cachorrinhos dóceis e frágeis em laboratórios industriais para o desenvolvimento de remédios caríssimos que – ainda que salvem vidas – vão enriquecer um grupo muito pequeno de burgueses. O problema é a discrepância entre o discurso que cidadãos comuns assumem em redes sociais – certos de que estão agindo de forma sensata e suficiente – com a atitude cotidiana tão longe da teoria.
Cheguei a um ponto da vida que só aceito cobrança de alguém que faz mais do que eu!