sábado, 26 de maio de 2012

Astrolábio Impreciso Decifrado

.
Fonte da Imagem: ACESSE AQUI!

A luz do semáforo ficou vermelha. Quase não percebi. Por segundos não invadi o espaço e a vez alheia causando colisão. Mas, a dor que sentia era tão ruim e tão cortante, sangrenta, que nada me atingiria tão contundente. Mas, estava enganado. Acionei o freio do carro. Parei. E a vida voltou a agir. Ensinar. Escapuli momentaneamente do meu mundo destruído por uma desilusão fugas e olhei para o lado. Bethânia se descabelava no cd tocando. E até ela se calou. Nenhuma buzina. Nenhuma freada. Nada. Só o que vi como um recorte na realidade foi uma menina brincando na calçada com uma ampulheta. Um marcador de tempo. O tempo que fugia de mim e me perseguia como algoz voraz que não me permitia misericórdia. Ali, naquelas mãozinhas franzinas, pequeninas, brincalhonas. Aquele tempo tão austero agora era brinquedo. E gostava disso. Porque alguém o domara. E era o que ele sempre quis. Por isso maltrata, separa, destrói, envelhece e leva embora... Por isso também lapida, melhora, cicatriza, fortalece e renova muita coisa. O tempo não estava preso naquela ampulheta. Nunca esteve. Nunca foi medido ou domesticado. Mas, livre! Correra livre por colinas e manhãs. Colheu virgens e maçãs. Sorriu e chorou. Delirou em febres terçãs. Gritou em brisas orvalhadas e temperaturas congeladas. Escolheu caminhar por lembranças e poemas. Decidiu ser carrasco e vítima sem explicação desnecessária. Varreu filosofias e literaturas. Imprimiu cores desbotadas e sinais em rostos e peles humanos. Mas o que sempre atingira mesmo foi a alma. Essa navegou. Essa viajou e deixou-se levar pelo tempo. O tempo! Esse trem descarrilado que não para em estação nenhuma... Mas leva todos os passageiros, viajantes ou não. O tempo, que agora queria que corresse mais do que o meu carro conseguiria alcançar e levasse a dor que me invadia e maltratava. O tempo, com quem quis negociar para carregar somente o que me fazia triste. O tempo, que li em teorias filosóficas das mais complexas sem decifrá-lo. O tempo, que se gastava e auto-renovava ao som dos minutos pingando fundo no retorno não autorizado. O tempo, cantado por Caetano, escrito por Pessoa, Chorado por Drummond, pensado por Kant, perdido por Renato Russo. O tempo... Agora estava ali, tão frágil e tão sereno gotejando nas mãos mais infantis que já vi. Fazendo festa. Dançando ciranda. Brincando de roda... Uma criança... Essa é dona do tempo! Porque não o conhece, não o teme, não o maldiz, não o repele, não o julga tirano, não o condena a ser feroz, não o afasta... Aquela criança, igual a todas as crianças, tinha no tempo um amigo tão inocente e inofensivo que promete vivências e emoções. Sabores e experiências. Não era lágrima que aquele tempo tirava daquela criança. Era aceitação.

Luz verde. Buzinas incompreensivas, aceleradas, impacientes, incapazes de esperar. Fui jogado novamente à realidade. Meu coração foi novamente atingido pela dor dilacerante que o dominava naquela noite. Devolvido ao meu mundo. Olhei uma última vez para aquela criança antes de partir. Porque tudo agora era menor do que aquilo... O que vi foi o tempo sorrindo para mim!


~ .:.:. ~




Nenhum comentário: