quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Não Caso Mais!

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A catedral inteira estremeceu com aquela voz de barítono rouco em fim de noite de balada. As senhorinhas, as tias mais antigas e mais bem arrumadas, sobressaltaram em um só solavanco, arrebatadas de suas sonecas involuntárias... Ditadura da demora! Imposição da espera! Silêncio de murmurinho e, de repente, aquele trovão em meio a um céu de fim de tarde de verão, ensolarado com fios e raios do ouro mais puro com que Deus poderia enfeitar aquele crepúsculo.
- Não caso mais!
Como assim?
Vai casar sim, senhor! Foram meses de preparação bordados com muitas expectativas e uma completa e corpulenta exaustão. Milhares de telefonemas disparados feito uma metralhadora desgovernada. Quilos e mais quilos de lenços de papel para dar conta da raiva, do estresse, da demora em saber como tudo seria. Ansiedade. Insônia. Taquicardia! Tudo regado a muita lágrima que saltava dos olhos sem serem notadas. Aas decisões imensuráveis sobre sabor, formato e dizeres do bolo. Quais flores mais adequadas. Quais bebidas. Quem seriam os padrinhos. Lista interminável de convidados. Brigas com empresas de buffet, com atelier de costura... Só o vestido de noiva foi uma novela. E daquelas mexicanas bem carregadas. O estilista não entendia o que era pra ser feito! Aquele botão eu não queria no meio do peito. Deveria estar a cinco dedos acima do busto. Mas, onde começar a contar o busto? Aquele estilista não sabia... Já era de se esperar porque ele não tem busto. Ai, coitado! Coitado nada, é o trabalho dele... Deveria saber medir um busto. Aquele véu também não deveria ficar tão aberto. Deveria ser moderno, mas, ainda assim recatado. Afinal, sou moça de família! Quem queria aquela cauda toda? Deu vontade de passar a tesoura... Só se casa uma vez na vida, oras! Tem de ser perfeito! Tudo! Quer dizer, eu só quero casar uma vez. Para mim casamento é sacramento eterno. Para a vida toda mesmo. Mas, a Glorinha, minha amiga de infância, casou três vezes. Já! Com trinta e seis anos de idade! E, pior, já está querendo mandar o Arlindo, o marido atual, para os quiabos. Disse que ele ronca muito. Pensando nisso vai ser um problema, porque nós nunca dormimos juntos. Eu e o Tiago, meu noivo. Gente! Agora o pânico instalou-se! Hoje a noite vai ser a tão sonhada e esperada noite de núpcias! E se não for bom? E se eu não gostar do... Bem, deixa pra lá! Vai dar tudo certo. Eu espero! Como se não tivesse tido todas as confusões possíveis e imagináveis para a preparação desse dia tão sonhado agora esse padre vem dar piti? Ah, não! Não, senhor! Vai casar sim... Já faz seis meses que eu agendei essa igreja e tem que ser aqui porque foi aqui que eu fui batizada, fiz a primeira comunhão, crismei, frequentei todos os cursos para preparar-me para hoje! Vai casar sim!
- Não vou casar mais! A senhora demorou demais e daqui a pouco entra o outro casamento. Seus convidados já estão misturados! A outra noiva já está esperando no carro aí fora.
- Isso é um absurdo, Padre Genésio! O atraso é tradição... Essa noiva aí fora está quebrando a tradição. Eu não! Eu atrasei porque até isso foi programado... É por isso que o meu vestido tem quarenta e nove botões de pérola nas costas... E a minha avó de 94 anos de idade não enxergou direito e a partir do botão número trinta e sete começou a pular casas... Tivemos que reabrir e depois fechar direito. Mas, isso estava programado. Noiva que se preze atrasa pelo menos meia hora.
- Atraso é o cac...
- Padre! Isso aqui ainda é uma igreja!
- Perdão! Mas, não caso mais!
- Vou reclamar com o bispo.
- Vai reclamar com o papa, se quiser. Essa igreja é minha e eu decido que aqui é igual aos espetáculos do Fagundes: chegou atrasado fica de fora.
- Acontece que isso aqui não é uma peça de teatro e o senhor não é o Antonio Fagundes!
- Antes fosse! Tivesse ouvido a minha mãe hoje eu seria astro de cinema e não precisaria passar por essas situações! Francamente!

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