domingo, 3 de julho de 2011

Seu Nome é Luis...

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Sempre procuro observar tudo o que acontece ao meu redor. Não por tentativa de controle de situação. Até porque não acredito nesse controle que algumas pessoas dizem ter. Observação é uma das vias do aprendizado. Então observo. Coisas. Pessoas. Sons. Objetos. Sentimentos. Sensações. Tudo!
Ontem estava na rodoviária da cidade vizinha onde leciono. Esperava o ônibus que me traria de volta para casa. Já passava das 23hs. O lugar estava vazio. Ninguém. Frio, muito frio e chuva. Eu, trabalhando desde as sete horas da manhã, querendo chegar em casa, tomar um banho quentinho, fazer um café santo, meu vício, relaxar. E o ônibus atrasado. Impaciência camuflada em exaustão. E nunca sabemos quando a vida nos trará lições, não é? Naquela noite ainda havia um balaio de emoções reservado para mim.

Ao chegar à rodoviária havia percebido dois seres humanos enrolados em cobertores velhos e suados na calçada. Triste realidade! Inegável! Ao ver a cena dei graças por minha casa, meus cobertores, meu café vicioso, minha cama. Entrei e quis mesmo que aquela espera acabasse.

Um daqueles seres humanos amontoado na calçada percebeu a minha presença. Levantou-se. Adentrou o recinto com uma majestade, de fato, imperial. Seu cetro era uma muleta que auxiliava a perna moída por um acidente de carro recente. Atropelamento. Embriaguez. Exatamente como agora estava. Embriagado! Antes que pudesse fuzilá-lo com meu arrogante julgamento moral veio a explicação:

- Estou bebendo para esquentar o meu frio. Não queria bebida, queria uma comida quentinha.

Soco no meu estômago (também vazio porque também não jantara)! Ele, que se valia de uma educação tão refinada que quase pensei não estar entendendo a situação, apresentou-se:

- Meu nome é Luis.

Um homem de estatura baixa, aproximadamente 1,60m de altura, magro, cabelo castanho desgrenhado pelo mau tempo. Barba crescida, não cuidada, suja, feia. Suas roupas simples estavam manchadas pela vida, pela estrada, pelos momentos que Luis viveu. E também por suas lágrimas. Luis chorou diante de mim, um estranho completo. Fez com que eu chorasse também.

Eu chorei com Luis.

Não era sua intenção. Nem a minha. Mas ele me falou de amor. Do seu amor. Que morrera no parto. Do primeiro filho deles. Luis viajava trabalhando. Sua amada, grávida de uma felicidade sem tamanho. Ele, radiante, porque sempre quis ser pai. A gravidez correu tranqüila. Eles não tinham dinheiro. Mas, se amavam. E por isso lutavam a vida melhor juntos. Ainda mais agora que nasceria um fruto do amor humilde e verdadeiro que viviam. E por algum motivo alguém fez o destino mudar.

E o sonho desmoronou.

Luis voltou pra casa, final de gravidez. Com um sapatinho de crochê no bolso. E encontrou um velório. Inicialmente não entendeu, mas chorou, porque sentiu. Alguma coisa agora doía dentro. Era seu peito explodindo. Porque sua menina estava dentro do caixão? Abraçada com um bebezinho também inerte?

Luis surtou.

Seu coração sucumbiu.

Tentou levantá-la do caixão e não conseguiu. Tentou ver o rostinho daquele bebê; sabia que não era boneca. Mas não teve tempo para isso. Sentiu pessoas segurando-lhe os braços. Uma confusão geral. Desespero. Luis não entendia nada. Sentiu uma picada no peito. Uma injeção já prevista lhe aguardava.

Silêncio.

Escuridão.

Vazio.

Três dias depois Luis percebeu sua consciência tentando se segurar para restaurar-se. Acordou. Fraco. Entregue. Derrotado. Vencido. De repente, estava diante de um túmulo. Cemitério local. Ali agora morava seu amor. Seus amores.

Aos prantos, Luis e eu, contou-me:

- Joguei todo o meu amor naquele buraco e disse pra ela, para minha amada, que ela era a minha vida. Eu a amava demais. E só queria ser pai, moço. Era só o que eu queria.

Luis saiu dali e caiu na estrada. Deixou para trás sua casa, seu trabalho, seus pertences e vagou. Foi atropelado por um caminhão porque não prestou atenção ao tráfego. Agora estávamos eu e ele em uma noite fria, dentro de uma rodoviária deserta. E a única coisa que ele me pediu foi um pouco de atenção. E ele me ensinou o que tinha de mais valioso.

Não pedi autorização a Luis para escrever a história dele nem para publicá-la. Mas, não posso deixar essa história morrer em mim. Não posso deixar aquele ser humano, que me ensinou algo tão precioso, cair no silêncio. Não inventei uma vírgula sequer desse texto. E ainda agora estou emocionado com aqueles olhos que choraram mal vestidos, sujos e andarilhos, um estranho! E agora tão íntimo. Não pude me sentir maior do que uma formiga olhando para a minha completa impotência diante daquela dor.

Vou levar Luis comigo para o resto dos meus dias.


Luz e Paz!



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