terça-feira, 2 de novembro de 2010

A Valsa Derradeira!

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Quando a morte passa perto arrastando alguém que nós temos em nosso convívio sempre deixa a lembrança de algumas reflexões que podemos fazer, mas, que sempre ficam engavetadas em algum compartimento do nosso ser onde não visitamos nem, tampouco, admitimos que precisamos reorganizar de quando em quando. É incrível como este tema mexe com tantas coisas diferentes e recorrentes que, no dia a dia, ficam sempre à margem, à espreita, prontas para apresentarem-se. Enquanto o nosso olhar é desviado já automaticamente para outras direções. O colorido nem sempre está cintilante. O preto, o luto, a negritude da dor causada pelo despreparo em entender processos tão naturais pode agigantar-se com frequência, inevitavelmente - já que somos humanos e temos a vida e a morte como elementos do mesmo ser... Nosso próprio ser! Tantos autores, poetas, filósofos, pensadores, religiosos, acadêmicos tentaram e tentam incansavelmente entender e, ainda mais do que isso, explicar o processo de morte por toda a história da humanidade. Cada um com a sua maneira diferente de ver, aceitar, conviver e explicar o que não conseguem solucionar. É um assunto latente transpassado pela trajetória humana. Na Grécia antiga, por exemplo, o filósofo Platão já discutia o assunto e defendia sua teoria das idéias - onde existiria dois mundos completamente distintos: o das idéias e o sensível - que incomodou tanta gente. No livro Fédon o pensador em questão relata o último dia de vida do seu mestre. Sócrates, mestre e amigo de Platão, fora condenado pela cidade e seus governantes sob a acusação de desvirtuar os jovens atenienses e profanar a religião vigente. Sua condenação: morte por ingestão de cicuta, um poderoso veneno. Alguns amigos de Sócrates chegam para visitá-lo na prisão no dia em que ele seria executado. E qual a surpresa da comitiva de visitantes! Eles encontram o filósofo, que ficara imortalizado por sua ironia, feliz, comemorativo e até mesmo ansioso para o momento de glória. Tudo isso porque eles defendiam que o corpo, os desejos provenientes do nosso físico distancia-nos do que realmente deveríamos ter como conduta de vida: a contemplação e reflexão acerca de nós mesmos e de tudo o que temos a oportunidade de vivenciar. Sócrates bebeu a cicuta. Morreu feliz dizendo que estava indo se reencontrar com sua verdadeira essência. Mas, e quem ficou? Como ficou?

Hoje falo sobre a morte, mas, não gostaria que parecesse pesado. Por isso falei de Platão e Sócrates. Mesmo porque estou tentando acreditar que não seja algo tão contrário a nós seres humanos. Se não me falha a memória foi Drummond quem escreveu que se a morte não existisse nós daríamos um jeito de inventá-la porque viver eternamente seria o maior e mais completo tédio. Cecília Meireles canta em seu poema Motivo a leveza da voz que um dia estaria muda... Um livro que li faz bem pouco tempo, A Menina Que Roubava Livros de Markus Zusak, traz uma narrativa um tanto quanto peculiar. O personagem que perpassa todo o livro narrando a história de uma menina alemã - Liesel Meminger - que roubava livros da biblioteca da primeira-dama da cidade onde mora é ninguém mais ninguém menos do que a própria Morte. O livro é surpreendente e deliciosamente fácil de ler. Uma visão romântica, admito, mas, porque não aceita-la como potencialmente verdadeira? Talvez este livro que acabei de citar (e indicar) seja o melhor exemplo de tudo o que estou falando aqui. De como não quero acreditar na deselegância da morte. De como não admito pensar nela como uma caveira horripilante de foice na mão. É provável que seja uma forma de ilusão. Confesso!

Quero, entretanto, ver a morte hoje como uma bailarina de luz tão leve quanto uma brisa de verão. Uma bailarina com a pureza de uma criança que dança. A dança tão envolvente e sensível que chega com toques de violino e raios luminosos coloridos. Hoje é a bailarina que quero pintar. Aquela que dança, encanta, envolve e faz a dor parecer imensamente pequena e passageira diante de tamanha grandeza. A moça de sapatilha esgarçada pelo tempo e pelo uso que faz o farfalhar de sua roupa tremeluzir. E a vida, sua parceira na valsa derradeira, despede-se, não de quem vai, mas, de quem fica. E que as lágrimas se transformem em notas, acordes para a bailarina que nunca pára de dançar... E nunca pára de encantar... E nunca pára de fazer da alma algo tão leve e doce que é capaz de flutuar!

Luz e paz!
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