sexta-feira, 28 de maio de 2010

O Sábio Burro e o Burro Sábio

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Dia desses estava lembrando uma aula muito importante que tive com uma professora bastante idosa e já com uma bagagem de vivências e experiências demasiadamente grande. A aula era de teatro. Acabara de ser convidado para integrar o elenco de uma considerável companhia de artes cênicas do interior de São Paulo. Eu era apenas um adolescente com muitas coisas a aprender sobre a vida. Ela estava a me instruir para uma apresentação - a minha estréia na trupe sob seu comando. Seria um momento muitíssimo importante que ocorreria dali há poucos dias. Naquele instante eu era uma enorme pilha de nervos e ansiedade. Com toda a sua delicadeza e sensibilidade D. Zeni me disse para ser um aprendiz sempre e não deixar jamais que a arrogância ou auto-suficiência tomassem conta do meu trabalho. E foi lindo ouvir tudo o que ela dizia sobre esse assunto. Nossa conversa durou horas ininterruptas que mais pareceram poucos instantes, tamanho o sabor daquelas palavras.

Aquela inesquecível professora me disse que avaliasse sempre a minha conduta profissional, fosse qual fosse a minha profissão ou a minha tarefa a ser desempenhada. Pedi que ela explicasse melhor, que fosse mais direta. Cheguei a pensar que eu estava fazendo algo errado ou tendo algum desvio de conduta. Ela sorriu amavelmente e disse, entre um sorriso e um olhar, que todos tínhamos, em determinados momentos, certos desvios de conduta, mas, não era o caso. Naquela ocasião estava apenas me alertando, pois, segundo ela, seria mais fácil evitar do que remediar.

Demorei muito tempo para entender aquele diálogo, quase monólogo dela.

Nem sei se realmente compreendi aquelas lições em sua totalidade, mas, sei que hoje procuro seguir os ecos da minha memória até naquele dia para tentar - e tentar já é muita coisa - ser alguém melhor. Hoje pela manhã, ao acabar de ministrar a minha aula, surpreendi-me dizendo as mesmas coisas para um aluno em uma conversa bastante informal e descontraída. Era como se D. Zeni passeasse com sua doce fragrância de alfazema por entre nós dois. E sua lembrança e seu perfume me trouxeram seu sorriso já cansado e idoso de volta. Bom momento aquele! E, então, tudo ficou claro em minha mente...

Naquela ocasião, a minha querida mestra havia me dito para nunca pensar que o que quer que eu fizesse já estivesse bom o suficiente para parar de tentar melhorar. Disse ainda que no exato momento em que eu parasse de tentar tornar o que estivesse fazendo algo melhor começaria o declínio. Ou seja, quando eu pensasse que já estava bom o suficiente e parasse de procurar maneiras para elaborar uma melhora contínua começaria o processo de emburrecimento do sábio. É neste instante, em que o sábio torna-se arrogante e pretensioso, que o aprendizado estanca e tudo é colocado em rota de colisão com a perda e o degeneramento.

O sabor do aprendizado é impagável e o prazer que há em ver a construção do saber, do seu saber, erigir rumo ao aprimoramento constante é tão lindo quanto o descortinar das luzes entrelaçadas ao crepuscular sorriso do dia no horizonte... Só sabe quem vê! Só entende quem pratica! Só permite quem é forte o bastante para isso!

E daquela conversa inesperada por mim, mas, de teor tão denso, intenso, colorido e leve vou sorver até a última gota. Já não tenho mais contato algum com D. Zeni. Nem sei se ainda habita este planeta. Sei, contudo, que suas lições, sua generosidade, sua sabedoria, sua humildade e sua doçura me inspirarão para sempre...

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